quarta-feira, 9 de março de 2011

Detalhes meus

Três horas da manhã e deu uma vontade de fechar a porta e a janela, ligar o som e ouvir o disco do Roberto Carlos de 1971, cuja primeira faixa, “Detalhes”, é, certamente uma das maiores obras primas da música brasileira, fato estendido a todo o disco mencionado, embora isso não importe no momento, pois é sobre “Detalhes” mesmo que quis falar neste texto.
Num primeiro momento, a letra de “Detalhes” parece se posicionar como a visão de um homem, certamente obsessivo pela ainda amada ex-amante, acerca dos sentimentos desta mulher.
A fossa, contudo, de ouvinte insone e inspirado pela solidão da madrugada, fez-me abandonar, momentaneamente, a visão de duas pessoas apaixonadas, e posicionar o discurso da música em um personagem um tanto quanto abstrato. Eis que passei a enxergar, nesse momento, o eu-lírico não sendo um homem, mas um sentimento, um sentimento qualquer, um sentimento qualquer cujo dono não consegue esquecê-lo de forma alguma. A obsessão continua presente aí, mas, assim, percebo uma visão menos restritiva desta letra, afora as situações amorosas, ou algo assim.
Afinal, nós não temos controle sobre nossos sentimentos, sobre nosso lado irracional, e, por vezes, parece que é mesmo este lado quem nos domina, embora eu duvide até disso. A dúvida, nesse caso, é irrelevante, pois esta sensação é tão sufocante, tão agonizante, que tudo o mais importa nada.
Neste caso, são tais sentimentos, os detalhes tão pequenos de “nós dois”, que representariam, por sua vez, a bipolaridade entre o lutar contra tais sensações ou aceitá-las sem saber como lidar com elas. E detalhes pequenos tornam-se tão grandes para quem está imerso nesta luta, que sua pequeneza também não importa, assim como a já mencionada dúvida. Tudo o que importa é a corda enforcadora que parece estar eterna e rigidamente apensa contra o pescoço de quem continua a sentir a mesma sensação de sempre.
Mera ilusão. Afinal, a corda só se torna rígida pelo breve momento do estrangulamento, até consumada seja a rápida morte do condenado. Depois disso, a corda é cortada e o corpo, removido.
É... De qualquer forma, saber que a eternidade do enforcamento é ilusão também não parece importar muito...

Detalhes
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)

Não adianta nem tentar
Me esquecer
Durante muito tempo
Em sua vida
Eu vou viver...

Detalhes tão pequenos
De nós dois
São coisas muito grandes
Prá esquecer
E a toda hora vão
Estar presentes
Você vai ver...

Se um outro cabeludo
Aparecer na sua rua
E isto lhe trouxer
Saudades minhas
A culpa é sua...

O ronco barulhento
Do seu carro
A velha calça desbotada
Ou coisa assim
Imediatamente você vai
Lembrar de mim...

Eu sei que um outro
Deve estar falando
Ao seu ouvido
Palavras de amor
Como eu falei
Mas eu duvido!
Duvido que ele tenha
Tanto amor
E até os erros
Do meu português ruim
E nessa hora você vai
Lembrar de mim...

A noite envolvida
No silêncio do seu quarto
Antes de dormir você procura
O meu retrato
Mas da moldura não sou eu
Quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso
Mesmo assim
E tudo isso vai fazer você
Lembrar de mim...

Se alguém tocar
Seu corpo como eu
Não diga nada
Não vá dizer
Meu nome sem querer
À pessoa errada...

Pensando ter amor
Nesse momento
Desesperada você
Tenta até o fim
E até nesse momento você vai
Lembrar de mim...

Eu sei que esses detalhes
Vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma
Todo amor em quase nada
Mas "quase"
Também é mais um detalhe
Um grande amor
Não vai morrer assim
Por isso
De vez em quando você vai
Vai lembrar de mim...

Não adianta nem tentar
Me esquecer
Durante muito
Muito tempo em sua vida
Eu vou viver
Não, não adianta nem tentar
Me esquecer...